Mudança da interpretação ao convênio ICMS 52/91
O princípio da segurança jurídica deve ensejar maior ponderação na pessoa investida de poderes para aplicar a norma, a fim de procurar estabelecer determinada estabilidade nas relações jurídicas, evitando, assim, o rompimento com as normas anteriores e deixando de conferir-lhe estabilidade, previsibilidade e certeza do direito. Segundo Humberto Ávila, “sem segurança de aplicação, a segurança jurídica da norma seria anulada pela insegurança da sua aplicação”. Geraldo Ataliba pontuava ser a segurança jurídica a essência do próprio Direito.São albergados pelo princípio da segurança jurídica vários desdobramentos, entre eles: a proteção da confiança nos atos do Poder Público, os quais deverão ser regidos pela boa-fé e razoabilidade; a estabilidade das relações jurídicas; e a previsibilidade dos comportamentos, tanto no sentido geral e abstrato – a proteção da confiança – quanto no individual e concreto – o resguardo da boa-fé. Como se vê, a segurança jurídica acaba por desembocar na confiança que as pessoas devem ter nos atos do Poder Público, na conservação de direitos e na previsibilidade dos comportamentos.As regras do Direito Tributário são para tutelar o contribuinte contra as demasias do poder estatal tributante e não para instrumentar as suas investidas (do poder estatal tributante) sobre os patrimônios dos contribuintes. A contenção dos poderes estatais é, aliás, a síntese funcional de todos os institutos que compõem as várias disciplinas do Direito Público. No caso concreto (Apelação: 70084768290), o Professor Roque Antonio Carrazza, com a clareza que lhe é inerente e com a peculiaridade do maior jurista e doutrinador em matéria de Direito Constitucional Tributário, no Parecer Jurídico elaborado para várias empresas do ramo, referente ao Convênio ICMS 52/91, fez sua consideração ao tratar do princípio da segurança jurídica e a impossibilidade da mudança, no caso em pauta, do entendimento da Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Sul. O professor refere que o princípio da segurança jurídica se hospeda nas dobras do Estado Democrático de Direito, consagrado já no art. 1º da Constituição Federal, e visa a proteger e preservar as justas expectativas das pessoas. “Para tanto, veda a adoção de medidas legislativas, administrativas ou judiciais, capazes de lhes frustrar a confiança que depositam nas normas jurídicas em vigor”.Seguindo as normas jurídicas, a jurisprudência e a doutrina a Colenda 2ª Câmara Cível, do TJ/RS, sob a relatoria da Desembargadora Dra. Laura Louzada Jaccottet, na Apelação: 70084768290 (processo eletrônico), na qual atuei como advogada, representando a empresa, no que tange a alteração de entendimento, pelo Fisco/RS, com aplicação retroativa, a Câmara deu efetividade ao Princípio da Segurança Jurídica, provendo o recurso. Prevaleceu a proibição da surpresa tributária, sendo este princípio de ordem moral que veda ao poder tributante desrespeitar o planejamento tributário dos contribuintes, como se a sua atividade produtiva fosse uma coisa improvisada e sem plano prévio, se os seus compromissos fossem passíveis de descumprimentos unilaterais e inconsequentes ou os projetos de manutenção e de expansão dos seus negócios empresariais fossem independentes dos seus recursos financeiros.Cabe frisar, por imposição do próprio mercado e pela finalidade do Convênio, o benefício havia sido transferido aos adquirentes, sendo este caso um exemplo perfeito de como não deve agir o poder tributante, pois é perceptível a violência que se embute na nova interpretação, após 30 anos da sua aplicação.
A proteção da confiança no âmbito tributário, uma das faces do princípio da segurança jurídica, apresenta, no aspecto objetivo, a estabilidade das relações jurídicas e, no aspecto subjetivo, a proteção à confiança. Portanto, ao falar em segurança jurídica fala-se num conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atos.O Princípio da Segurança jurídica está consagrado pelo art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal (CF), segundo o qual "a lei não prejudicará o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito". Recentemente, foi promulgada a Lei n.º 13.655/2018, que incluiu na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro vários artigos inerentes a segurança jurídica, entre eles os artigos 23 e 24 e o parágrafo único.O Princípio da Segurança Jurídica sempre deve prevalecer, não apenas em favor do Poder Público, como ocorreu no julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, referente à inconstitucionalidade da cobrança do Diferencial de Alíquota do ICMS em repercussão geral (Tema 1093), restando firmada a tese no sentido de que “A cobrança do diferencial de alíquota alusiva ao ICMS, conforme introduzido pela emenda EC 87/2015, pressupõe a edição de lei complementar veiculando normas gerais”.No entanto, ao modular os efeitos, estabeleceu que a decisão passaria a vigorar a partir de 2022. Segundo o STF, a medida é necessária para evitar insegurança jurídica, em razão da ausência de norma que poderia gerar prejuízos aos Estados.Cabe frisar que a atividade econômica não é improvisada, e sim planejada e necessita de investimentos. Confiando na redução da base de cálculo constante do Convênio ICMS 52/91, a qual perduraria como já vinha acontecendo há mais de 30 anos, os industriais aumentaram seus parques fabris, contrataram funcionários, investiram em marketing.No caso concreto, a nova interpretação dada pelo Fisco/RS ao Convênio, não só ignorou os investimentos realizados pelo industrial, prejudicando o futuro da empresa, bem como constituiu o crédito tributário referente ao período não atingido pela decadência, deixando, inclusive, de atentar pelo fato de que, tratando-se de ICMS, visto sua natureza jurídica, ocorreu a transferência do respectivo benefício. Cabe salientar que as atividades econômicas privadas são, certamente, um dos mais importantes pressupostos do desenvolvimento social e econômico de qualquer sociedade organizada segundo os padrões democráticos, sendo que a nova interpretação encaminha as relações fiscais para o perigoso destino das arbitrariedades.
Alice Grecchi, advogada especialista em Direito Tributário